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domingo, 26 de junho de 2011

REUNIÕES COMUNITÁRIAS MELHORAM A REALIDADE DA VILA DAS TORRES

Antonio Costa/ Gazeta do Povo / “O que dá para notar é que as pessoas estão desacostumadas a serem ouvidas. Como não falam, acabam esperando que venha uma receita pronta. Não é a melhor saída”
( REPORTAGEM GAZETA DO POVO 27-09-2009 )

        Motim ao redor do quintal

  "Entrevista com Marcão, presidente da Associação de Moradores da Vila das Torres"

O eletrotécnico Marcos Eriberto dos Santos, 37 anos, é um agente comunitário singular em meio aos líderes das mais de 600 associações de bairro da capital. Criado na Vila das Torres, Mar­cão, como é conhecido, driblou a falta de oportunidades e fez da Educação de Jovens e Adultos (EJA) o tal do trampolim para dias melhores. Deu certo. Tão certo que poderia ter deixado para trás o bairro da infância e procurado outras paisagens. Não foi o que fez. Mesmo em condições de se mudar dessa que é uma das áreas mais estigmatizadas da cidade, ficou por lá e firmou seu nome junto a duas iniciativas que projetaram a Torres para muito além do noticiário policial: a Agenda 21 e o Caico – Centro de Apoio à Integração Comunitária.
À frente das duas dezenas de costureiras que produziram pelo menos 10 mil sacolas ecológicas – e de atividades como o cinema para a gurizada do bairro –, Marcão ganhou fama de criativo. Em maio deste ano, o povo do bairro pagou para ver e o elegeu presidente da associação de moradores. A gestão do eletrotécnico começou com dias de fúria, em meio às contínuas investidas da PM e ao clima de insatisfação geral: vira e mexe boa parcela dos 9,5 mil moradores – segundo estimativas do líder, já que a prefeitura diz que são 8,5 mil – se vê novamente reduzida a seu pior papel, o de região de bandidagem. A população fica nos cascos.
Para driblar os ânimos, o líder recorreu a uma fórmula bem produtiva: as reuniões de quarteirão. Às quintas-feiras, os moradores de uma ou duas das 15 quadras da vila se reúnem para encontros que lembram muito novenas, estudos bíblicos ou coisa que valha. A novidade não está só no formato pocket dos encontros – bem diferentes das assembleias mensais frequentadas por cerca e 200 pessoas. A “turma da quadra”, como Marcão chama, não está junta só para dar de dedo na prefeitura, no estado ou na Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), ao lado da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a vizinha mais endinheirada da redondeza. O desafio é apontar o que cada um pode fazer para resolver os problemas cotidianos. “É educativo”, diz ele.
Qual surpresa do líder: parece que a relação com os vizinhos incomoda muito mais gente do que as ações, algo arbitrárias, da PM ou mesmo a tirania do crime organizado. Não que sejam fatos menores, mas no dia a dia, o que aflige a “turma das Torres” é a dificuldade na gestão do lixo, atividade que mobiliza, direta e indiretamente, cerca de 30% dos moradores, o que atinge, obviamente, os outros 70%.
Agora é que são elas. Marcos, além das negociações com a prefeitura, o estado e com o Mi­­nistério Público, tem de dar conta também da briga de vizinhos e do lixo que fica pelas esquinas. “Fazemos ata e firmamos um pacto ao fim de cada encontro”, conta ele, diante do novo desafio: irmanar comadres e compadres em torno do bem comum. Ele tem certeza que vai dar certo. Veja os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Gazeta do Povo:
Por que reunião de comunidade por quadra funciona me­­lhor?
Porque a gente trata de problemas localizados. A vila é muito grande e as realidades não são iguais. Mudam de um quarteirão para outro. Muitos moradores alegavam dificuldade de comparecer às assembleias e os que frequentam dizem que com muita gente há pouco espaço para falar. Decidimos diminuir o tamanho e atrair mais gente no final das contas: as reuniões de quadra juntam 50 pessoas, uma assembleia, não mais de 200. Somando tudo, vai ser bem mais popular.
A população reagiu bem a esse tipo de encontro que lembra novena ou coisas do gênero?
Melhor do que eu imaginava. O pessoal diz que a associação de moradores está mais próxima deles agora, e que se sente mais abraçada. O efeito é excelente. No final, teremos um diagnóstico de como estamos.
A proposta é que o pessoal não fique só apontando problemas para o poder público, mas que faça a sua parte. Funciona?
Exato. A gente pergunta o que cada um pode fazer para melhorar a Vila das Torres. Em meio a essa conversa acaba que o morador pode ser conscientizado da parte que lhe cabe. O que dá para notar é que as pessoas estão desacostumadas a serem ouvidas. Como não falam, acabam esperando que venha uma receita pronta. Não é a melhor saída.
Quais os assuntos mais apontados até agora?
As vertentes de água, as bocas de lobo entupidas – mas são problemas que dependem da prefeitura e da Sanepar. Quando passaram antipó, fecharam as saídas de água. É um dilema. No que diz respeito aos moradores, fala-se dos vizinhos que deixam o lixo na rua, dos ratos que vêm da casa ao lado, de quem tranca a rua com o reciclável que recolhe e demora o dia inteiro para separar. Fazemos uma ata. Tomamos decisões. Há pequenos problemas que nós mesmos podemos resolver.
O assunto da violência aparece?
Aparece, claro, mas por incrível que pareça aos olhos de quem não mora na Vila das Torres, o cachorro do vizinho, o rato, o lixo jogado no rua incomodam muito mais. As miudezas são um dilema de todo dia. As brigas com quem mora ao lado são um problemão.
Você se sente preparado para mediá-las?
É complicado, né. Mas o papel da associação de bairro é colocar as pessoas em harmonia, aconselhar. Pode demorar, mas multar quem tranca a rua ou quem joga entulho no rio não resolve. Uma conversa amigável dá mais resultados.
Quais os remédios daqui para frente?
Educação ambiental. A gestão do lixo e o respeito ao meio ambiente são questões de educação, por isso as mais difíceis de serem vencidas. Lógico, a gente conta com o apoio do poder público para dar conta do recado, mas estabelecemos metas no encontro das quadras e vamos cumpri-las.
Ter estudado faz a diferença?
Faz. Entendo que lugar de criança é na escola. Eu valorizo o aprendizado. Sou técnico em eletrônica e vivo do que aprendi. Tenho obrigação de valorizar o conhecimento. Quero mostrar para as pessoas que é possível nascer e crescer numa comunidade como a nossa e não se envolver com a marginalidade.


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